Parte I.

Nova Theorica das Minas

1. Lembremo-nos primeiro que tudo, que a polvora incendida não hé outra couza mais que hum fluido elastico, e permanente, cuja força deve naturalmente estar na razão do calor, e da densidade, e como o calor está evidentemente na razão da densidade, segue-se que da força da polvora está na razão duplicada da desidade; mas a densidade está sempre na razão composta da directa das quantidades, e da inversa dos volumes; logo a força da polvora estará na razão composta da directa duplicada das quantidades, e da inversa duplicada dos espaços, que occupão, o que está amplamente explicado [Página 18] na Theorica da polvora.

2. Consideremos huma carga de polvora enterrada em hum lugar tão profundo, que o pezo da Columna superincumbente exceda á força da polvora.

I. Se a terra hé incomprimivel não fará o impulso da polvora effeito algum, e ficará esta occupando o mesmo espaço, que occupara de antes, pois de todas as partes se lhe reziste infinitamente.

II. Se a terra hé comprimivel lhe cederá igualmente por todas as partes até que a força da polvora, que vai diminuindo na razão inversa dos espaços que vai occupando fique em equilibrio com a força com que a terra reziste á compressão.

[Página 19] 3. Esteja [Fig. 5.a] agora a Carga n''huma distãcia tal da superficie da terra, que seja o pezo das columnas superincumbentes menor que a força da polvora, supondo pois a Carga em D /de figura Cubica, ou esferica para maior comodidade/ então.

I. Se a terra não he comprimivel, procurãdo a polvora estender-se para todas as partes dirigindo a sua força por linhas perpendiculares á superficie da esfera, que forma, e sendo rezistida infinitamente por todas as partes excepto pela parte de cima lhe cederá só a linha de menor rezistencia CD , e muitos raios DE tomados nas direçoens das forças cõmunicadas pêla polvora, porem he claro que estes raios DE rezistirão diversamente, pois a força cõmunicada a cada hum pela polvora em e hé a mesma /pela propriedade dos fluidos de terem sempre [Página 20] todas as suas forças em equilibrio/ e a rezistencia, que elles fazem a essa força tanto pelo seu pezo, como pela coherencia de huns com os outros cresce n''huma certa razão directa dos mesmos raios, e por consequencia acharemos hum AD cuja rezistencia esteja em equilibrio com a força da polvora, e não lhe cederâ, e muito menos qualquer dos outros aD , o que tudo parece evidente.

II. Se a terra porem hé comprimivel, todas as partes desde G para baixo lhe cederão sómente pela sua compressibelidade, e de G para cima pela mesma compressibelidade, e juntamente por serem de hum pezo menor, que a força da polvora, e este hé verdadeiro cazo das Minas, pois a terra hé comprimivel: examinaremos isto mais miudamente.

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4. Accende-se a polvora, e começa a dilatar-se, a terra lhe cederá igualmente por todas as partes até hum certo termo, em que a força necessaria para a comprimir mais hé maior, que a que basta para vencer a coherencia das partes, e o pezo. Ora esta rezistencia procedida da coherencia das partes, e do pezo em nenhuma parte hé menor que junto á linha de menor rezistencia, logo por esta parte principiará a ceder, e /se acazo se pode assi dizer/ quebrará a terra da mesma sorte, que se quebra huma taboa opprimida de huma potencia capaz de vencer a coherencia das suas partes.

5. A polvora, que vai continuando a dilatar-se [Fig. 6.a] acha huma sahida em a , mas esta sahida he pequena pelo que continuarâ a opprimir toda a circunferencia, porem ja não igualmente; por que 1.o o vaõ ja esta cheio de terra [Página 22] solta de quando a terra por ali se quebrou, e que só rezistem pelo seu pezo: 2.o as partes b cedem empurrando para dentro do dito vão as partes e : 3.o cada uma das partes d cederão empurrando tambem para a banda de a as partes, que lhe ficarem para essa banda: 4.o finalmente a parte mais inferior e cederá para baixo empurrando para os lados as partes, q. lhe ficam vizinhas. Ora he claro que quanto mais terra houver acima de cada parte d mais custará a essa parte o ceder; isto he, mais rezistirâ, menos espaço cederâ, e esta rezistencia bem se vê, que gradualmente vai augmentando desde b até e .

6. Cederá pois a circumferencia bdde gradualmente: cederâ cada parte d em razão composta da compressibilidade da terra, e da multidão de partes, que tem, que mover [Página 23] para a banda de a para ceder; ora a compressibilidade da terra pode-se suppor a mesma em qualquer altura, crescerâ logo esta rezistencia com a multidão de partes, que tem que mover para a banda de a . Neste computo porem deve tambem entrar a diversa altura de terra que cada parte d tem em cima de si, e quanto essa terra dista do vão f , a , pois quanto mais distar delle menos abalada estará, e menos solta, e mais custará a mover-se debaixo della a parte d , o q. tudo nos tira totalmente a esperança de saber em q. razão cresce a ditta rezistencia; deixemos pois esta averiguação, e continuemos.

7. Supponhamos que n'úm primeiro [Fig. 7.a] instante cedeo a parte a até b , no segundo até B , no terceiro até B , hé claro que o espaço bB há de ser maior que o espaço ab , BB maior que bB &c, porque a parte b tem em cima [Página 24] de si menos terra, e mais solta, e abalada q. a , B que b , e B que B /tomando a força da polvora sempre igual, ou tomando os tempos desses instantes em razão duplicada dos espaços occupados pela polvora/. Os espaços ad , dD , DD , &c. hirão sempre sendo tanto mais pequenos quãto mais se aproximarem de, eE , EE &c, e a razão, em que esta diminuição se faz hirâ crescendo cada vez mais, isto hé

[ ab:\partial d,&c< bB:\partialD, &c < BB:DD, &c, ] Nota12
por que huma das couzas, que contribuem para qualquer parte \partial , D , ou D &c, rezistir mais, ou menos hé a maior, ou menor distancia, em que está da ultima b , B , ou B , &c pois quanto maior for essa distancia mais terra tem, que mover para a parte de c , C , ou C &c, Nota13 o que mostra, q. tirando raios do centro O á curva destes hirão sempre crescendo mais os que estiverem mais proximos á linha de menor rezistencia, que os que estiverm mais [Página 25] apartados.

He tambem assas claro que isto hirá continuando até que a polvora não achando cousa, q. se lhe opponha, ou a retarde da parte de cima escape toda para o ar, e isto succederâ quando a esquina B se desvanecer inteiramente como em b .

Emfim façamos outra consideração: se a polvora acha-se igual rezistencia por todas as partes formaria huma esfera; achando porem menor rezistencia de huma banda estender-se há para essa parte formando ....... Que hé o q. primeiro nos vem a ideia? hum Elipsoide, e nos acabamos de ver o circulo a\partial\partial e hir abrindo-se, e estendendo-se ate formar huma curva , em que se não acha curvatura para a parte de dentro, quero dizer, que huma linha tirada por paralella a af a não corta em outra parte, vimos hir crescendo cada vez mais a razão entre o interválo Oe do [Página 26] foco ao Vertice, e o eixo ea ( ), e quando finalmete não há rezistencia da parte de cima se poderá tomar por infinito. Não concorre tudo isto confirmar-nos, em que a escavação de huma Mina se hade formar da mesma sorte que vimos na Preparação hir pelo movimento da Directrix, abrindo-se e estendendo-se o circulo até formar a parabole? Na falta de meios de poder calcular a rezistencia da terra nas diversas partes da curva para determinar a sua natureza, bastava, o que estâ dito para fazer a hypotezis plauzivel, porem a experiencia o confirma, pois medindo-se exactamente qualquer Mina se acha ser hum paraboloide. Alem disso, por que outro modo se poderia formar hum paraboloide? Não me canço em refutar o com que Mr. Dulacq, o pertende formar, por que involve tantos absurdos, que absolutamente não necessita de refutação.

[Página 27] 10. Deixando pois todos os calculos, e raciocinios vãos, e inuteis, inferimos do que estâ dito

I. Que se /n'úm terreno homogeneo/ se fizerem duas Minas, cujas cargas estejam na razão dos cubos das linhas de menor rezistencia, as Escavações serão paraboloides semelhãtes. Por que discorrendo pelo modo a cima, e tomando os augmentos momentaneos do raio oa sempre semelhantes, isto hé, sempre na razão das linhas de menor rezistencia, acharemos os Elpsoides correspondentes tambem semelhãtes, por se acharem sempre no fim desses espaços semelhantes por toda a parte rezistencias semelhantes (isto he semelhantes quantidades de terra para mover) e semelhantes sómas de forças communicadas, que vem a fazer a mesma relação entre as forças, e as rezistencias numa, e noutra Mina, o que farâ que o numero [Página 28] destes espaços momentaneos, serâ o mesmo tambem n'úma, e n'óutra, e por conseguinte compondo serão as suas sõmas, isto he os paraboloides semelhantes Q.E.D.

II. Que sendo a linha de menor rezistencia a mesma, e as cargas diversas, a que tiver maior carga farâ maior abertura. He esta verdade assas evidente por si mesma; mas do que estâ dito se não pode tirar meio algum para determinar essa abertura, segundo a quantidade de polvora da carga.

III. Que sendo a carga a mesma, serâ menor a abertura da quella, cuja linha de menor rezistencia for maior. He igualmente claro, e evidente, pois contra huma mesma potencia há maior rezistencia tanto de cima, como dos lados, e por consequencia não se abrirâ tanto.

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IV. Que no primeiro cazo, em que as Minas são semelhantes serâ a terra arrojada com igual velocidade; por que nas peças semelhãtes, as cargas semelhantes arrojam bálas semelhantes com igual velocidade.

Seria em mim temeridade querer levar mais longe esta Theorica, e querer á força deduzir della huma exacta explicação dos Fenomenos admiraveis da polvora incendida no ceio da terra, e derivar como faceis Corolarios a [sic] regras da Arte das Minas. Assim contentãdo-me com ter mostrado /segundo me parece/ palpavelmente como se forma a Escavação, passo a dar a Theorica de M. Muller pelo modo mais breve, claro, e methodico, que podér.

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