Instrucção

1780 Sobre huma materia tão importante como esta não temos nada escrito em Portuguez. Nas outras Nações sim tem havido pessoas de grande nome, que tem comprehendido o tratala, mas até agora ningue o tem feito completamente, e sem cahir em notaveis abuzos, ou erros de consequencia. Os primeiros Mineiros cuidaram que a figura da escavação era hum Cone de huma altura igual ao Raio de baze; depois imaginaram q. era hum Cone truncado, cuja altura, Diametro [Página 2] do fundo, e Raio da baze erãm sempre iguaes; o Tenente General de la Valière achou por meio de huma medição exacta, que a escavação nem era hum Cone, nem hum Cone truncado; mas sim hum paraboloide; conservou porem o antigo abuzo, de que o diametro da baze nunca podia exceder a linha de menor resistência; que finalmente as experiencias feitas por M. Belidor na Escola d'Ártelharia dela Fère pelos annos 1730 desterraram de todo. Achada esta verdade importantissima ás apalpadellas, eis nos acõmette logo a curiozidade de averiguar /ou para fallar mais verdade/ a vaidade de demonstrar por principios àpriori, como, e porque faz a polvora na terra hum paraboloide, e não hum Cone, ou hum Cone truncado, ou outra qualquer figura. Eis ahi Mr Dulacq, que quiz fazer hum Mechanismo de Artelharia, e que para demõstrar [Página 3] este ponto, se poem a calcular errado, * e a raciocinar em vão, como no resto da sua Obra, [Página 4] ou ainda mais se pode ser. Ajusta o vertice da parabole ordinaria no angulo de hum triangulo, toma por razoens inversas, o que está mui longe de o ser, &c, &c, &c. O Sabio M.r Muller Professor d'Ártelharia, e Forteficação na Academia Real de Inglaterra, discipulo de Belidor, e que assistio às experiencias, de que fallei, achou felismente huma nova Theorica segura, e completa, quanto baste para a pratica, e confirmada incontestavelmente por ella. Não cahio na tentação de querer deduzir de principios a priori a figura da escavação. Exactas, e repetidas medições lhe segurarã, que he hum paraboloide: isso lhe basta, pois a razam porque o hé não inflûe nada na Arte das Minas. Vio que o Frustro do paraboloide terminado pela baze, e pelo circulo, que passa pelo Foco, está sempre na razam das cargas, e julgando este principio assaz demõnstrado pela experiencia cons- [Página 5] tante, desprezando prudentemente todo o calculo, ou raciocinio vão, e inutil, reduz toda a Theorica das Minas à Resolução de huma equação do segundo graó.


* Quem prevenido da grande reputação de M. Dulacq neste Reyno se admirar do que aqui se diz delle, ponha os olhos nessas mizeraveis equaçoens, que se achão no seu Mecham d'Árt; pag._110 mihi: , , e para se nam cuidar, que foi erro da imprensa acrescenta [ puisque] Nota1 0 ne multiplie point i. e. porque 0 tem privilegios de unidade. He vergonha, e grande vergonha criticar couzas tão summamente triviaes, pois não ha Rapaz da escolla, que não possa ensinar a Mr. Dulacq, que 4 vezes nada he nada, e nam 4 vezes nada he 4 , como elle cuida; mas sirva isto somente para que a gente se não deixe preocupar de hum grande nome, e para que alguns Autores afrancezados não escrevão tanto à pressa.

A minha primeira tenção quando me rezolvi a dar alguma couza em Portuguez sobre as Minas, foi traduzir fielmente o excellente Tratado de M.r Muller, porem acho nelle algumas asserções, que me parecem mal fundadas, alguns principios, que não posso adoptar por me não parecerem certos, do que darei as minhas razões, e quem ler julgará. Alem disto vejo a Obra de Mr Dulacq na mão de quasi todas as pessoas da Profissaõ, e para q. os principiantes se não enganem com os brilhantes termos de Demonstração, evidência provarei, demonstrarei &c, tantas vezes, e tão em falso repetidos me pareceo justo por-lhe [Página 6] diante dos olhos, quanto Mr. Dulacq se enganou na determinaçaõ do modo, com que a polvora opéra na Mina, e quanto he diverso o Caminho, que seguio, do que devia seguir nesta averiguação.

Constará pois este pequeno Tratado de tres partes. Na primeira darei huma ideia de como a polvora opéra na terra, e como esta lhe resiste diversamente em differentes partes, procurando deduzir destas consideraçoes a figura da Escavaçaõ. Desta Theorica /que hé o que só posso chamar inteiramete meu neste papel/ pouco, ou nada se pode determinar para a practica. Eu confeço a sua inutilidade neste sentido, servirá porem de contentar a curiozidade naturalissima de saber pouco mais, ou menos por que razaõ, e como as Escavaçoes tomam sempre huma [Página 7] figura certa, e naõ outra, e para desterrar os abuzos de alguns Autores, principalmente os erros de Mr. Dulacq, e alguns de Mr Muller, se naõ sou eu talvez o que me engano.

A segunda será hum extracto da Theorica de Mr. Muller, á qual ajuntarei hum Problema, que me parece necessario, e como a sua soluçaõ dá huma equaçaõ biquadratica, darei com essa occaziaõ o excellente methodo de Daniel Bernoulli para achar as raizes das Equaçoes racionaes, no q. me parece faço algu serviço aos Curiozos, que o naõ tiverem ainda visto.

A terceira conterá Regras practicas para regular as cargas, e linhas de menor rezistencia, conforme os diversos terrenos, e intentos acõmodadas á capacidade de hum Mineiro, que não saiba mais, que as quatro operaçoes [Página 8] da Arithemetica, e extraçaõ da raiz quadrada, e cubica; As pessoas que naõ entendem Algebra poderaõ fazer o seu estudo nesta terceira parte somente, e deixar as outras.

Para cabal intelligencia do que digo na primeira parte, me parece necessario dar a propriedade, e formaçaõ universal das sessoes Conicas, e espero naõ deixará isto de ser util, e agradavel á quellas pessoas, que naõ tiverem visto se naõ Belidor, o qual as trata separadamente, e cada huma por differente modo, o que naõ deixa de ser deffeituozo, pois bem sabida hé a utilidade, e superioridade dos methodos geraes; e o Leitor o poderá julgar do que digo nesta.