Colecção
Estudos e
Manuscritos
3
COLECÇÃO ESTUDOS E MANUSCRITOS
- A "Censura do Tabaco" do P.dre Jerónimo da Mota e dois
escritos de Ribeiro Sanches, Armando Barreiros Malheiro da Silva.
- Memórias Particulares, Inácio José Peixoto.
- Ensaio sobre as Minas, José Anastácio da Cunha.
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Apoio
Estado Maior do Exército
TÍTULO
Ensaio sobre as Minas
1.a _edição 1994
Série --- Colecção Estudos e Manuscritos -- 3
ISSN 0872 - 6426
ISBN 972 - 9102 - 23 - 6
AUTOR
José Anastácio da Cunha
Introd. e notas Maria Fernanda Estrada
Trad. da introd. Michael Smith
EDIÇÃO
Tiragem: 1000 exemplares
Arquivo Distrital de Braga / Universidade do Minho
CAPA
Arranjo gráfico a partir de elementos contidos na folha de rosto do manuscrito original
COMPOSIÇÃO
Laboratório de Informática ADB/IBM, Clara Sofia Moreira
IMPRESSÃO
Oficinas gráficas de Barbosa & Xavier, Limitada
Depósito legal n.o _76200/94
Copyright \copyright _Arquivo Distrital de Braga
TRABALHO PREPARADO NO DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA
DA UNIVERSIDADE DO MINHO
A PARTIR DO TEXTO INTEGRAL DO MANUSCRITO N.o 526 DO ADB.
José Anastácio da Cunha
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Leitura, introdução e notas de
Maria Fernanda Estrada.
Arquivo Distrital de Braga/Universidade do Minho
1994
Introdução
Em 1987 celebrou-se em Portugal o bicentenário da morte de José
Anastácio da Cunha. Talvez porque ele foi injustiçado em vida, nós
tenhamos querido, como povo, reparar essa injustiça. Mas não só: o
grande movimento nacional então gerado com as diversas celebrações
que ocorreram nas Universidades de Évora, Coimbra e Lisboa, com a
participação de matemáticos e historiadores nacionais e estrangeiros, teve,
principalmente, como objectivo, homenagear um grande português que
foi matemático, que foi poeta e que foi um inovador no campo das
ideias então vigentes. Muito se disse, muito se escreveu. Dois livros
foram publicados contendo as comunicações dos intervenientes
.
Acompanhámos emocionados o percurso da sua vida: seu nascimento
humilde em Lisboa em 1744; sua educação na Congregação do
Oratório; alistamento aos 19 anos no Regimento de Artilharia do
Porto aquartelado em Valença do Minho; a vida exaltada e apaixonada
que lá viveu; o contacto com os oficiais estrangeiros de ideias liberais,
muitos deles protestantes, que então lá se encontravam; os amores
pela jovem Margarida cantada e sublimada em muitos dos seus versos;
a fama da sua cultura matemática que, através do Conde de Lippe,
chegou aos ouvidos do Marquês de Pombal; o convite que este lhe
dirigiu em 1773 para lente de Geometria na recém-criada Faculdade de
Matemática da Universidade de Coimbra; a vida em Coimbra e,
depois da queda do Marquês, a sua prisão pela Inquisição em 1778,
seguida de julgamento e condenação; os libelos acusatórios de
livre-pensador, herege, libertino.
Os últimos anos da sua vida decorreram em Lisboa, como professor
dos alunos da Real Casa Pia, depois de uma parte da pena lhe ter sido
perdoada.
Aprendemos a conhecê-lo melhor, aprendemos a amá-lo. A obra
matemática foi divulgada, bem como vários estudos e apreciações
críticas que ela tem merecido; registámos, orgulhosos, um elogio
de Gauss
, um dos maiores matemáticos de todos os tempos; a
obra poética foi objecto igualmente de muitos comentários; foi destacada
a apreciação que já tinha merecido de Fernando Pessoa
.
No campo das ideias, Anastácio da Cunha viu mais longe que muitos
dos seus contemporâneos; talvez os olhasse com um olhar
desencantado, mas não obstante isso, ou talvez por isso, não deixou de
os amar
. Então, as celebrações nacionais de 1987 foram como
que um ponto de partida para um estudo mais profundo de José
Anastácio da Cunha, um estudo mais entusiástico e de gosto
renovado, porque mais esclarecido e mais fundamentado.
Decidiu então o recém-criado Seminário Nacional de História da
Matemática que "a vida e obra de José Anastácio da Cunha
fosse o tema prioritário para 1988".
Assim, no âmbito da cadeira de Historia da Matemática
da Licenciatura em Ensino da Matemática da Universidade do Minho,
com um grupo de estudantes de 1987-88, decidi continuar as
pesquisas sobre José Anastácio da Cunha.
Os jovens e entusiastas estudantes deslocaram-se a Valença do Minho,
procurando mais informação sobre a sua vida.
Porém, além da simpatia das pessoas que os acolheram, nada
encontraram de novo.
A mim coube-me a pesquisa nas Bibliotecas de Braga e no Arquivo
Distrital de Braga. E foi então que no Arquivo, ao lado de um
manuscrito da obra poética de José Anastácio da Cunha, encontrei um
outro manuscrito intitulado " Ensaio sobre as Minas",
inédito até então.
De facto, logo na 1.a página, num canto, em letras pequeninas
manuscritas e a vermelho, lê-se esta anotação: "Inédito, sobre o
notabilíssimo autor deste livro ver Inocêncio, Tomo 4, pág. 221 e
seguintes. Inocêncio desconheceu a existência deste inédito".
De facto, esta obra não é citada no Dicionário Bibliográfico
Português de Inocêncio Francisco da Silva
, na lista dos
trabalhos de José Anastácio da Cunha. Contudo, há pelo menos três
referências a este Ensaio que passamos a citar, por ordem cronológica.
A 1.a é uma citação do próprio Anastácio da Cunha na Carta
Físico-Mathemática
, acabada em 5 de Novembro de 1769 e mais
tarde publicada no Porto, em 1838. Na pág. 29, numa nota inserida
dentro de parêntesis, lê-se: "ainda que sobre as minas nada pode
determinar ao justo, como mostrei em hum particular Tratado".
Parece poder concluir-se que esse particular Tratado fosse o
Ensaio sobre as Minas. Uma 2.a referência é-nos dada em
O Processo de José Anastácio da Cunha
. Na pág. 73,
num fragmento duma carta escrita por João Baptista Vieira Godinho
a José Anastácio da Cunha, em 1771, lê-se: "em volta deste
correio me remetesse hum extracto das suas obras -- Arithemetica
Universal -- Ensaio das Minas ou a sua Dissertação -- Ensaios sobre a
Pyrrotecnia -- etc. com toda aquella intimativa que faça bem conhesser
o espírito de cada Obra".
Parece inequívoco que este Ensaio das Minas seja o Ensaio
sobre as Minas que então encontrei.
A 3.a referência é ainda feita pelo próprio José Anastácio da Cunha,
numa das cartas da sua defesa contra as acusações de que foi alvo na
Questão entre José Anastácio da Cunha e José Monteiro da Rocha
,
comentada por António José Teixeira: "Pediu-me o
capitão de mineiros do meu regimento a minha opinião sobre o que
vários autores tinham publicado acerca das minas: dei-lha por escrito
muito sem segunda tenção, que nem deixei em meu poder cópia.
Entre outras coisas mostrei alguns erros de Mr._Dulacq, autor que o
marechal tinha recommendado aos artilheiros e engenheiros, o que
nem eu nem talvez pessoa alguma do meu regimento então sabia.
Depois passando o marechal por Almeida aonde eu estava, houve
quem inocentemente e cuidando que me fazia um grande bem,
ofereceu a minha dissertação ao conde de Lippe, que
naturalmente se julgou insultado. Apezar de partir então para
Buckembourg ainda duvidoso da minha innocencia, deixou
recommendado que se me dobrasse o soldo e me adiantassem".
Por aqui parece poder concluir-se que foi o Ensaio sobre as
Minas que impressionou tão fortemente o conde de Lippe a favor de
José Anastácio da Cunha, que por isso o terá elogiado ao Marquês de
Pombal, enaltecendo o seu saber e as suas qualidades.
São disso testemunhos a decisão do Marquês de nomear
Anastácio da Cunha lente de Geometria da Universidade de Coimbra,
por provisão de 5 de Outubro de 1773, e as cartas elogiosas que
sobre ele escreveu ao então reitor da mesma Universidade,
D. Francisco de Lemos
.
Conforme José Anastácio da Cunha afirma na carta acima transcrita,
nem sequer ficou com cópia do manuscrito do Ensaio sobre as
Minas. Alguém mais tarde a terá feito. Desconhecemos
os caminhos que a levaram à Biblioteca do Conde da Barca, donde
transitou para o Arquivo Distrital de Braga, onde a encontrei.
O achado foi de imediato comunicado aos membros do Seminário
Nacional de História da Matemática que a acolheram com alegria.
Nomeadamente, os participantes do Encontro desse Seminário, que em
1988 se realizou no Departamento de Matemática da Universidade do
Minho e que teve como convidado o Professor
Ubiratan d'Ámbrósio, tiveram a oportunidade de ver o manuscrito, por
gentileza do Arquivo Distrital de Braga.
Desde logo se pensou na edição, mas o processo havia de ser lento.
Primeiro, porque na altura eu tinha outros trabalhos urgentes a ultimar,
depois porque tal empresa requeria a colaboração de pessoas e
Instituições diversas.
Dos primeiros contactos com o manuscrito, especialmente a partir dos
erros na grafia de palavras de origem francesa e nas expressões
matemáticas, onde José Anastácio da Cunha não podia ter errado, ganhei
a convicção de que não tinha em mãos o trabalho original, mas uma
cópia.
Daqui ter-se decidido fazer uma transcrição e não uma edição fac-símile;
mantiveram-se apenas as estampas, as tabelas e a folha de rosto
conformes às da cópia.
Antes, porém, de dar inicio à citada transcrição, parece pertinente
apresentar ao leitor alguns comentários sobre a mesma.
1. Características gerais da Obra.
José Anastácio da Cunha inicia o Ensaio sobre as Minas por
aquilo que ele chama Instrucção, espécie de prefácio, em que afirma a
não existência de Obras em português sobre o assunto e em que se refere
a trabalhos vários de autores estrangeiros, uns que critica, outros que
elogia.
Faz fortes advertências aos leitores desprevenidos para que não se
deixem facilmente impressionar por palavras como
"demonstração", "evidência", "provarei", etc, que
muitas vezes só servem para esconder os erros e mascarar a ignorância.
Deve notar-se que uma advertência perfeitamente análoga se pode ler na
página 25 da Carta Físico-Mathemática
.
É ainda na Instrucção que afirma que o trabalho está dividido em três
partes.
A 1.a parte constitui a Teoria de José Anastácio da Cunha sobre as
minas; é como ele diz, "o que posso chamar inteiramente meu neste
papel". Contudo, como acrescenta, para tornar inteligível essa Teoria,
pareceu-lhe necessário fazê-la preceder de um estudo das secções
cónicas, o que ele chama "Preparação".
Manifesta a sua preferência por métodos gerais sobre os particulares e,
neste caso, por um método geral de tratamento de todas as cónicas, em
vez de tratamentos particulares para cada uma delas.
Então, na Preparação caracteriza as cónicas à maneira de Pappus
,
como lugares geométricos de pontos tais que a razão das distâncias a uma
recta fixa (directriz) e a um ponto fixo (foco) é constante. Utiliza um
sistema de eixos ortogonais em que um dos eixos contém o eixo maior da cónica,
e o outro a tangente num dos vértices; a directriz
é então paralela a este último eixo.
Anastácio da Cunha chama
p
e
q
às distâncias do vértice, que
coincide com a origem, à
directriz e ao foco, respectivamente. Daqui, é imediato reconhecer que a
razão
por ele considerada, é o inverso da excentricidade
da cónica.
Justifica então, por considerações gerais que, se
p > q
, a cónica é uma
elipse, se
p=q
, uma parábola e se
p < q
, uma hipérbole,
assinalando, neste último caso, a existência dos dois ramos da
curva.
Lamenta não poder dar demonstrações detalhadas e ter de se limitar a
considerações gerais, escrevendo: "mas a brevidade que me
propus neste papel me não permite e o rezervo para hum particular
trattado".
(Suponho ver aqui uma alusão aos Princípios Mathemáticos, em que um
estudo das Cónicas é também incluído).
Assim, Anastácio da Cunha
parte do princípio que o leitor conhece pelo menos as propriedades gerais
da elipse, em que a razão
, e escreve a sua equação à
maneira grega, correspondente ao enunciado de Apolónio
.
E é dessa equação que, pela variação de
p
, vai obter as equações das
restantes cónicas.
Primeiro, obtém a equação da circunferência, caso particular da elipse,
considerando a directriz a uma distância infinita, o que ele traduz por
; depois, aproxima a directriz do vértice, até que
, obtendo a equação da parábola; a seguir, considera
, o que
lhe permite obter a equação da hipérbole; finalmente, ainda considera o
caso limite em que
p=0
, o que lhe permite obter a equação
correspondente a uma cónica degenerada em duas rectas
coincidentes.
As equações são habilmente transformadas umas nas outras ao fazer
variar a razão
; os casos relativos aos valores limite, zero e
infinito, são tratados por operações correspondentes à determinação de
limites. Toda esta Preparação me parece tão notável que merece um
estudo particular e separado.
Revela-se já aqui o espírito sintético do autor e aquela sua qualidade de
"organizador lúcido da Matemática" que havia de se manifestar ao
longo dos Princípio Mathemáticos e que tão apropriadamente acentua
João Filipe Queiró
.
É só após esta Preparação que Anastácio da Cunha inicia a 1.a parte do
seu trabalho, que ele intitula "Nova Theórica das Minas".
Começa por enunciar princípios gerais sobre a combustão da pólvora
remetendo o leitor para explicações que já dera na Theorica da
pólvora, que supomos estar contida na Carta Físico-Mathemática.
Nota-se o peso que Anastácio da Cunha atribui à experiência, nos
princípios que assume. Em particular, vai procurar uma conjectura que
explique que a escavação feita na terra pela explosão duma mina tem a
forma de um paraboloide, como é confirmado pela experiência.
A hipótese que nos apresenta é uma hipótese de base geométrica, tendo
em mente a imagem da transformação das cónicas umas nas outras,
apresentada na Preparação.
Em particular, a imagem da transformação duma circunferência numa
parábola, passando pela elipse. Anastácio da Cunha transpõe então
estes resultados para o espaço tridimensional. Supõe que a pólvora,
colocada debaixo da terra, tem uma forma esférica e mantém ainda essa
forma no inicio da combustão. Mas depois, essa esfera vai-se
expandindo, expulsando a terra que a comprimia e estendendo-se para a
parte de cima em que encontra menor resistência, passando à forma dum
elipsoide. Finalmente, depois de expulsa toda a terra da parte de cima, o
elipsoide transforma-se num paraboloide.
É a sua conjectura, que aliás ele apresenta como tal.
Enuncia ainda princípios gerais que relacionam as dimensões dos
paraboloides com as cargas das minas correspondentes, e ainda com a
velocidade com que a terra é arrojada pela explosão.
A 2.a parte do Ensaio sobre as Minas é constituída pela Teoria
das Minas do matemático John Muller, que José Anastácio da
Cunha colige, traduzindo o texto inglês com fidelidade, como ele
acrescenta, embora ordene os assuntos de forma pessoal.
O referido texto de Muller sobre as minas está incluído no seu
"The Attac [sic] and Defence of Fortified Places" do qual foram
publicadas em Londres três edições: a 1.a em 1747, a 2.a em 1757 e a 3.a
em 1770.
Depois de ter trabalhado por longo tempo sobre a 3.a edição, a mais fácil
de obter, só muito recentemente consegui a 2.a edição, de 1757, que foi
aquela que José Anastácio da Cunha utilizou.
Tenho a certeza disto porque, de vez em quando, num gesto de fidelidade
às fontes, ele menciona as páginas correspondentes do texto original. E,
quando menciona a página 218 de Muller, o texto correspondente é,
efectivamente, a tradução da página 218 da 2.a edição, que na 1.a vem na
página 233 e na 3.a na página 196.
Foi importante encontrar a edição certa usada por José Anastácio da
Cunha, pois, só por confronto com o texto original inglês, consegui
corrigir algumas das gralhas da cópia manuscrita.
Esta 2.a edição do livro de Muller também permite esclarecer um ponto
duvidoso sobre a biblioteca de José Anastácio da Cunha. Na lista dos
livros confiscados pela Inquisição
, menciona-se em 15.o lugar:
"6 Muller''s vorks [sic] em língua Inglesa, em 6 volumes".
Contudo, na bibliografia de J. Muller conhecida, não há nenhuma obra
em 6 volumes. De que se tratava então?
Ora acontece que, nesta 2.a edição acima mencionada, vem
inserida uma lista das obras então recentemente publicadas pelo autor
em que seis obras diversas são agrupadas sob o título:
"Um sistema de Matemáticas, Fortificação e Artilharia.
Em 6 volumes". E a descriminação dos volumes
também é feita. Transcrevo a seguir essa lista do texto inglês:
"Vol. I. Algebra, Geometry, and Conic-Sections. II. Trigonometry,
Surveying, Levelling, Mensuration, Laws of Motion, Mechanics,
Projectiles, Gunnery, &c. Hydrostatics, Hydrawlics [sic], Pneumatics, and
Theory of Pumps. III. Fortification, Regular and Irregular. IV. Practical
Fortification in four Parts. V. Artillery in six Parts. VI. Attack and
Defence of Fortified Places, Mines, &c. Three Parts".
Devo acrescentar ainda que, no catálogo da Biblioteca da Academia
Militar em Lisboa, existe este mesmo conjunto destas seis obras de
Muller aqui citadas, sob a designação: "Elements of Mathematics"
(6_volumes).
Parece pois provável que fosse este conjunto, o referido em 15.o lugar na
lista dos livros confiscados a José Anastácio da Cunha, pela Inquisição.
Nesta 2.a parte do Ensaio sobre as Minas é ainda de notar a
discordância que José Anastácio da Cunha manifesta em relação
a algumas afirmações de Muller, que na Instrucção nos tinha apresentado
como "sábio".
É a sua expressão de rigor e sentido crítico que o impede de traduzir
simplesmente, mas o leva a inserir notas pessoais de discordância, apoio
ou explicação do texto original. Parece-me ainda pertinente inserir uma
observação sobre o não uso do símbolo
no cálculo do volume do
paraboloide truncado.
No texto inglês, J. Muller usa a letra
r
para indicar
e
José Anastácio da Cunha segue aqui, fielmente, o original.
Como se sabe, o símbolo
foi introduzido pela 1.a vez por um
matemático amador William Jones (1675-1749), em 1706, mas o seu uso
definitivo é devido a Euler. Este adoptou-o a partir de 1737 e desde
então o seu uso foi sendo gradualmente universalizado
. José
Anastácio da Cunha já o usa nos Princípios Matemáticos, embora com
algumas incongruências, como nota Tiago de Oliveira
.
Ainda é de observar que a 2.a parte do Ensaio sobre as Minas é
enriquecida pela introdução do método de Daniel Bernoulli para
determinar a menor e a maior raiz de uma equação racional. José
Anastácio da Cunha vai tirá-lo, como afirma, doutro livro de Muller, que
é o "Traité Analytique des sections coniques, fluxions et fluentes",
publicado em Paris, em 1760, e que é uma versão em francês, bastante
alargada, do texto inglês
. Como se sabe, este método de Daniel Bernoulli
foi publicado pela 1.a vez nas Actas da Academia de Ciências de S.
Petersburgo, tomo III, em 1728
. Mais tarde foi exposto e
desenvolvido por Euler na sua "Introductio in analysin infinitorum"
de 1748, traduzido em francês em 1786, 1796 e 1835 sob o título
"Introduction à L'Ánalyse Infinitésimale"
.
Contudo, deve notar-se que José Anastácio da Cunha não se limita aqui
apenas à tradução do texto francês de Muller e a dar exemplos da sua
aplicação no caso das minas. Cuidadoso do rigor das demonstrações,
como tão bem sublinha E. Giusti
, ele ultrapassa a tradução de
Muller e numa nota pessoal remete o leitor ao livro de Newton
"Analisis per Quantitatem Series Fluxiones ac Differentias, cum
enumeratio linearum tertie ordinis" publicado em Londres, em 1711,
onde a justificação dos cálculos apresentados pode ser encontrada
.
É curioso notar que José Anastácio da Cunha se refere aqui a Newton
como "Cavalheiro Newton", a mesma expressão usada na sua
Carta Físico-Mathemática.
A 3.a parte do Ensaio sobre as Minas é também interessante e
rica, embora de forma diferente.
É o que o autor chama "Prática das Minas".
Em grande parte continua a ser tradução
do livro de Muller
. Contudo, a ordenação dos assuntos é diferente
e nota-se, ao longo de toda a 3.a_parte, uma preocupação dominante de
natureza pedagógico-didáctica.
Dirige o texto aos principiantes, que não sabem, como ele diz, mais do
que as quatro operações e a extracção da raiz quadrada e cúbica.
Aliás, ele mesmo aconselha, aos que não sabem Álgebra, a estudar
apenas a 3.a parte. Assim os problemas do texto original são
desdobrados em vários outros e sistematizados em dez regras, e as
operações de cada uma dessas regras são ainda repartidas em diferentes
passos.
Para cada regra há um exemplo concreto, em que os dados estão em
Muller, como também se acentua nas notas inseridas no texto. E quando
o problema é mais complicado, como o da Regra X, constrói então
Tábuas que dão imediatamente a resposta a partir dos dados, e cujo uso,
mesmo assim, ensina cuidadosamente.
E aquilo que se vê e sente ao longo de toda a 3.a parte é claramente
expresso por José Anastácio da Cunha, que termina afirmando: "o
meu intento he somente ser util aos Officiaes moços meus Camaradas".
É o mesmo sentido de serviço que parece também ter estado presente na
elaboração dos Princípios Mathemáticos, como se lê num dos seus
depoimentos na Inquisição: "poder ser útil ao
público e ao Estado"
.
É a atitude de alguém que quer partilhar com os outros os talentos que
recebeu mais abundantemente: em saber, em inteligência, em
discernimento e até, em erudição linguística.
Considero que a maior homenagem que se pode fazer a um autor é a
publicação das suas obras. O meu trabalho nesta edição teve como
objectivo oferecer aos estudiosos um texto que suponho bem mais perto
do original do que a cópia manuscrita que encontrei; é a expressão da
minha profunda homenagem a José Anastácio da Cunha.
2. Notas sobre a transcrição:
Foram seguidas na transcrição os critérios gerais preconizados por A. H.
de Oliveira Marques, João José Alves Dias e Teresa Ferreira
Rodrigues
.
Também se utilizou o critério já usado por João Pedro Ferro
,
de omitir os símbolos ou palavras que se repetem no inicio de várias
páginas.
Como neste texto há extensas traduções do inglês e algumas do francês,
que se colocaram em itálico, optou-se por um tipo de letras mais escuras
para assinalar os sublinhados da cópia manuscrita.
3. Agradecimentos.
Um grande conjunto de pessoas e Instituições contribuíram para que esta
edição fosse possível.
Começo por referir o Doutor Norberto Cunha, estudioso e admirador de
José Anastácio da Cunha, e que eu, casualmente, logo no início da investigação,
encontrei na Biblioteca
Pública de Braga. Ao Doutor Norberto Cunha agradeço as pistas que
então me sugeriu para a minha busca e as valiosas sugestões ulteriores.
Ao Dr. Armando Malheiro da Silva agradeço as diligências, que então
fez, no sentido de verificar se se tratava efectivamente de um inédito.
Também dirijo uma palavra de gratidão aos estudantes de História da
Matemática do ano 1987-1988, em especial a Dr._Victor Neves, Dr._David Paiva
e Dr._Francisco Assis, que com o seu entusiasmo acompanharam o inicio da
minha investigação.
A seguir devo mencionar o apoio incondicional, desde a primeira hora, do
Departamento de Matemática da Universidade do Minho, através da sua
directora de então, Professora Maria Raquel Valença. Sempre esta
iniciativa mereceu o seu estímulo e todo o suporte económico necessário.
Além disso, a Professora Raquel Valença ainda me deu informações
utilíssimas sobre o método de Daniel Bernoulli, referido por José
Anastácio da Cunha. Exprimo-lhe a minha sincera gratidão.
Todos os textos ingleses de J. Muller que usei foram obtidos através da
Doutora Stella Mills, bem como a informação de que foi 2.a edição de
Muller
a usada por Anastácio da Cunha. Sei que tudo isto lhe deu
muito trabalho e dispêndio de tempo. Além disso, foi com a Doutora
Stella Mills que troquei várias impressões durante o meu trabalho, tendo
dela recebido sempre preciosas sugestões; estou-lhe profundamente
grata.
Quero ainda agradecer à Doutora Luísa Lapa de Souza a gentileza de me
ter obtido as memórias de Belidor
da Academia Real de
Ciências de Paris.
Muitas outras pessoas se dignaram ajudar-me, com as suas úteis e
oportunas sugestões. Destaco o Dr. Grattan-Guinness, com quem
falei sobre o manuscrito durante a sua visita ao Departamento de
Matemática da Universidade do Minho, em Abril de 1990, e que,
gentilmente, me deu valiosas sugestões.
Estendo os meus agradecimentos aos colegas da Universidade de
Coimbra Doutores António Leal Duarte, Jaime Carvalho e Silva e João
Filipe Queiró, que já produziram interessantes trabalhos sobre José
Anastácio da Cunha
; as suas sugestões e apoio
foram-me muito úteis. Ao Professor Jean Dhombres estou também muito
agradecida por me ter facilitado um rápido acesso à Bibliothèque
Nationale de Paris, único viável, dado o pouco tempo que tive para o
efeito.
Tenho de mencionar também a ajuda preciosa que me foi dada pelo
Estado Maior do Exército através da pessoa do Senhor General
Guilherme Belchior Vieira, que conheci no 1.o Encontro Luso Brasileiro
de História da Matemática, realizado em Coimbra de 31/8 a 3/9 de 1993,
onde fiz a apresentação do Ensaio sobre as Minas.
Desde logo o Senhor General Belchior Vieira me ofereceu
entusiasticamente a sua ajuda que se traduziu em dois aspectos
complementares. Por um lado, pôs à minha disposição os livros da
Academia Militar e do Exército, bem como outros elementos do Arquivo
Histórico-Militar, o que me ajudou extraordinariamente na busca dos
autores mencionados por José Anastácio da Cunha. Por outro lado,
obteve para a edição do livro o suporte económico do Estado Maior do
Exército.
É, graças aos fundos provenientes do Centro de Matemática do
Departamento de Matemática da Universidade do Minho, do Estado
Maior do Exército e do Arquivo Distrital de Braga, que esta edição se
torna possível.
Quero também agradecer ao Arquivo Distrital de Braga,
na pessoa da sua directora Dr.a Maria Assunção Vasconcelos, todo o
estímulo e suporte que esta iniciativa lhe mereceu. Nomeadamente
agradeço à equipa de Informática do ADB, na pessoa da Dr.a Clara
Sofia Moreira, que fez o processamento definitivo, e na pessoa do Professor
José Nuno de Oliveira, como responsável pelo sistema informático
em que o texto foi tratado.
Ao Professor Michael Smith que, gentilmente, acedeu ao pedido de
escrever esta introdução em inglês, exprimo o meu sincero
agradecimento.
Agradeço também ao Departamento de Informática da Universidade do
Minho os recursos cedidos na fase final de edição electrónica.
Finalmente, exprimo a minha gratidão a todos aqueles que me
ajudaram na busca, que se revelou infrutífera, de localizar
outras cópias do manuscrito Ensaio sobre as Minas.
Nomeadamente, refiro a
Dr.a Fernanda Maria Campos (Biblioteca Nacional);
Dr. Luis Cabral (Biblioteca Municipal do Porto);
Dr.a Maria Teresa Mendes (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra).