Introdução

Em 1987 celebrou-se em Portugal o bicentenário da morte de José Anastácio da Cunha. Talvez porque ele foi injustiçado em vida, nós tenhamos querido, como povo, reparar essa injustiça. Mas não só: o grande movimento nacional então gerado com as diversas celebrações que ocorreram nas Universidades de Évora, Coimbra e Lisboa, com a participação de matemáticos e historiadores nacionais e estrangeiros, teve, principalmente, como objectivo, homenagear um grande português que foi matemático, que foi poeta e que foi um inovador no campo das ideias então vigentes. Muito se disse, muito se escreveu. Dois livros foram publicados contendo as comunicações dos intervenientes Nota1.

Acompanhámos emocionados o percurso da sua vida: seu nascimento humilde em Lisboa em 1744; sua educação na Congregação do Oratório; alistamento aos 19 anos no Regimento de Artilharia do Porto aquartelado em Valença do Minho; a vida exaltada e apaixonada que lá viveu; o contacto com os oficiais estrangeiros de ideias liberais, muitos deles protestantes, que então lá se encontravam; os amores pela jovem Margarida cantada e sublimada em muitos dos seus versos; a fama da sua cultura matemática que, através do Conde de Lippe, chegou aos ouvidos do Marquês de Pombal; o convite que este lhe dirigiu em 1773 para lente de Geometria na recém-criada Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra; a vida em Coimbra e, depois da queda do Marquês, a sua prisão pela Inquisição em 1778, seguida de julgamento e condenação; os libelos acusatórios de livre-pensador, herege, libertino. Os últimos anos da sua vida decorreram em Lisboa, como professor dos alunos da Real Casa Pia, depois de uma parte da pena lhe ter sido perdoada.

Aprendemos a conhecê-lo melhor, aprendemos a amá-lo. A obra matemática foi divulgada, bem como vários estudos e apreciações críticas que ela tem merecido; registámos, orgulhosos, um elogio de Gauss Nota2, um dos maiores matemáticos de todos os tempos; a obra poética foi objecto igualmente de muitos comentários; foi destacada a apreciação que já tinha merecido de Fernando Pessoa Nota3.

No campo das ideias, Anastácio da Cunha viu mais longe que muitos dos seus contemporâneos; talvez os olhasse com um olhar desencantado, mas não obstante isso, ou talvez por isso, não deixou de os amar Nota4. Então, as celebrações nacionais de 1987 foram como que um ponto de partida para um estudo mais profundo de José Anastácio da Cunha, um estudo mais entusiástico e de gosto renovado, porque mais esclarecido e mais fundamentado. Decidiu então o recém-criado Seminário Nacional de História da Matemática que "a vida e obra de José Anastácio da Cunha fosse o tema prioritário para 1988". Assim, no âmbito da cadeira de Historia da Matemática da Licenciatura em Ensino da Matemática da Universidade do Minho, com um grupo de estudantes de 1987-88, decidi continuar as pesquisas sobre José Anastácio da Cunha. Os jovens e entusiastas estudantes deslocaram-se a Valença do Minho, procurando mais informação sobre a sua vida. Porém, além da simpatia das pessoas que os acolheram, nada encontraram de novo. A mim coube-me a pesquisa nas Bibliotecas de Braga e no Arquivo Distrital de Braga. E foi então que no Arquivo, ao lado de um manuscrito da obra poética de José Anastácio da Cunha, encontrei um outro manuscrito intitulado " Ensaio sobre as Minas", inédito até então.

De facto, logo na 1.a página, num canto, em letras pequeninas manuscritas e a vermelho, lê-se esta anotação: "Inédito, sobre o notabilíssimo autor deste livro ver Inocêncio, Tomo 4, pág. 221 e seguintes. Inocêncio desconheceu a existência deste inédito". De facto, esta obra não é citada no Dicionário Bibliográfico Português de Inocêncio Francisco da Silva Nota5, na lista dos trabalhos de José Anastácio da Cunha. Contudo, há pelo menos três referências a este Ensaio que passamos a citar, por ordem cronológica.

A 1.a é uma citação do próprio Anastácio da Cunha na Carta Físico-Mathemática Nota6, acabada em 5 de Novembro de 1769 e mais tarde publicada no Porto, em 1838. Na pág. 29, numa nota inserida dentro de parêntesis, lê-se: "ainda que sobre as minas nada pode determinar ao justo, como mostrei em hum particular Tratado". Parece poder concluir-se que esse particular Tratado fosse o Ensaio sobre as Minas. Uma 2.a referência é-nos dada em O Processo de José Anastácio da Cunha Nota7. Na pág. 73, num fragmento duma carta escrita por João Baptista Vieira Godinho a José Anastácio da Cunha, em 1771, lê-se: "em volta deste correio me remetesse hum extracto das suas obras -- Arithemetica Universal -- Ensaio das Minas ou a sua Dissertação -- Ensaios sobre a Pyrrotecnia -- etc. com toda aquella intimativa que faça bem conhesser o espírito de cada Obra".

Parece inequívoco que este Ensaio das Minas seja o Ensaio sobre as Minas que então encontrei.

A 3.a referência é ainda feita pelo próprio José Anastácio da Cunha, numa das cartas da sua defesa contra as acusações de que foi alvo na Questão entre José Anastácio da Cunha e José Monteiro da Rocha Nota8, comentada por António José Teixeira: "Pediu-me o capitão de mineiros do meu regimento a minha opinião sobre o que vários autores tinham publicado acerca das minas: dei-lha por escrito muito sem segunda tenção, que nem deixei em meu poder cópia. Entre outras coisas mostrei alguns erros de Mr._Dulacq, autor que o marechal tinha recommendado aos artilheiros e engenheiros, o que nem eu nem talvez pessoa alguma do meu regimento então sabia. Depois passando o marechal por Almeida aonde eu estava, houve quem inocentemente e cuidando que me fazia um grande bem, ofereceu a minha dissertação ao conde de Lippe, que naturalmente se julgou insultado. Apezar de partir então para Buckembourg ainda duvidoso da minha innocencia, deixou recommendado que se me dobrasse o soldo e me adiantassem".

Por aqui parece poder concluir-se que foi o Ensaio sobre as Minas que impressionou tão fortemente o conde de Lippe a favor de José Anastácio da Cunha, que por isso o terá elogiado ao Marquês de Pombal, enaltecendo o seu saber e as suas qualidades.

São disso testemunhos a decisão do Marquês de nomear Anastácio da Cunha lente de Geometria da Universidade de Coimbra, por provisão de 5 de Outubro de 1773, e as cartas elogiosas que sobre ele escreveu ao então reitor da mesma Universidade, D. Francisco de Lemos Nota9. Conforme José Anastácio da Cunha afirma na carta acima transcrita, nem sequer ficou com cópia do manuscrito do Ensaio sobre as Minas. Alguém mais tarde a terá feito. Desconhecemos os caminhos que a levaram à Biblioteca do Conde da Barca, donde transitou para o Arquivo Distrital de Braga, onde a encontrei.

O achado foi de imediato comunicado aos membros do Seminário Nacional de História da Matemática que a acolheram com alegria. Nomeadamente, os participantes do Encontro desse Seminário, que em 1988 se realizou no Departamento de Matemática da Universidade do Minho e que teve como convidado o Professor Ubiratan d'Ámbrósio, tiveram a oportunidade de ver o manuscrito, por gentileza do Arquivo Distrital de Braga. Desde logo se pensou na edição, mas o processo havia de ser lento. Primeiro, porque na altura eu tinha outros trabalhos urgentes a ultimar, depois porque tal empresa requeria a colaboração de pessoas e Instituições diversas.

Dos primeiros contactos com o manuscrito, especialmente a partir dos erros na grafia de palavras de origem francesa e nas expressões matemáticas, onde José Anastácio da Cunha não podia ter errado, ganhei a convicção de que não tinha em mãos o trabalho original, mas uma cópia. Daqui ter-se decidido fazer uma transcrição e não uma edição fac-símile; mantiveram-se apenas as estampas, as tabelas e a folha de rosto conformes às da cópia. Antes, porém, de dar inicio à citada transcrição, parece pertinente apresentar ao leitor alguns comentários sobre a mesma.

1. Características gerais da Obra.

José Anastácio da Cunha inicia o Ensaio sobre as Minas por aquilo que ele chama Instrucção, espécie de prefácio, em que afirma a não existência de Obras em português sobre o assunto e em que se refere a trabalhos vários de autores estrangeiros, uns que critica, outros que elogia. Faz fortes advertências aos leitores desprevenidos para que não se deixem facilmente impressionar por palavras como "demonstração", "evidência", "provarei", etc, que muitas vezes só servem para esconder os erros e mascarar a ignorância. Deve notar-se que uma advertência perfeitamente análoga se pode ler na página 25 da Carta Físico-Mathemática Nota10.

É ainda na Instrucção que afirma que o trabalho está dividido em três partes.

A 1.a parte constitui a Teoria de José Anastácio da Cunha sobre as minas; é como ele diz, "o que posso chamar inteiramente meu neste papel". Contudo, como acrescenta, para tornar inteligível essa Teoria, pareceu-lhe necessário fazê-la preceder de um estudo das secções cónicas, o que ele chama "Preparação". Manifesta a sua preferência por métodos gerais sobre os particulares e, neste caso, por um método geral de tratamento de todas as cónicas, em vez de tratamentos particulares para cada uma delas.

Então, na Preparação caracteriza as cónicas à maneira de Pappus Nota11, como lugares geométricos de pontos tais que a razão das distâncias a uma recta fixa (directriz) e a um ponto fixo (foco) é constante. Utiliza um sistema de eixos ortogonais em que um dos eixos contém o eixo maior da cónica, e o outro a tangente num dos vértices; a directriz é então paralela a este último eixo. Anastácio da Cunha chama p e q às distâncias do vértice, que coincide com a origem, à directriz e ao foco, respectivamente. Daqui, é imediato reconhecer que a razão por ele considerada, é o inverso da excentricidade da cónica.

Justifica então, por considerações gerais que, se p > q , a cónica é uma elipse, se p=q , uma parábola e se p < q , uma hipérbole, assinalando, neste último caso, a existência dos dois ramos da curva. Lamenta não poder dar demonstrações detalhadas e ter de se limitar a considerações gerais, escrevendo: "mas a brevidade que me propus neste papel me não permite e o rezervo para hum particular trattado". (Suponho ver aqui uma alusão aos Princípios Mathemáticos, em que um estudo das Cónicas é também incluído).

Assim, Anastácio da Cunha parte do princípio que o leitor conhece pelo menos as propriedades gerais da elipse, em que a razão , e escreve a sua equação à maneira grega, correspondente ao enunciado de Apolónio Nota12.

E é dessa equação que, pela variação de p , vai obter as equações das restantes cónicas.

Primeiro, obtém a equação da circunferência, caso particular da elipse, considerando a directriz a uma distância infinita, o que ele traduz por ; depois, aproxima a directriz do vértice, até que , obtendo a equação da parábola; a seguir, considera , o que lhe permite obter a equação da hipérbole; finalmente, ainda considera o caso limite em que p=0 , o que lhe permite obter a equação correspondente a uma cónica degenerada em duas rectas coincidentes.

As equações são habilmente transformadas umas nas outras ao fazer variar a razão ; os casos relativos aos valores limite, zero e infinito, são tratados por operações correspondentes à determinação de limites. Toda esta Preparação me parece tão notável que merece um estudo particular e separado.

Revela-se já aqui o espírito sintético do autor e aquela sua qualidade de "organizador lúcido da Matemática" que havia de se manifestar ao longo dos Princípio Mathemáticos e que tão apropriadamente acentua João Filipe Queiró Nota13.

É só após esta Preparação que Anastácio da Cunha inicia a 1.a parte do seu trabalho, que ele intitula "Nova Theórica das Minas".

Começa por enunciar princípios gerais sobre a combustão da pólvora remetendo o leitor para explicações que já dera na Theorica da pólvora, que supomos estar contida na Carta Físico-Mathemática. Nota-se o peso que Anastácio da Cunha atribui à experiência, nos princípios que assume. Em particular, vai procurar uma conjectura que explique que a escavação feita na terra pela explosão duma mina tem a forma de um paraboloide, como é confirmado pela experiência.

A hipótese que nos apresenta é uma hipótese de base geométrica, tendo em mente a imagem da transformação das cónicas umas nas outras, apresentada na Preparação. Em particular, a imagem da transformação duma circunferência numa parábola, passando pela elipse. Anastácio da Cunha transpõe então estes resultados para o espaço tridimensional. Supõe que a pólvora, colocada debaixo da terra, tem uma forma esférica e mantém ainda essa forma no inicio da combustão. Mas depois, essa esfera vai-se expandindo, expulsando a terra que a comprimia e estendendo-se para a parte de cima em que encontra menor resistência, passando à forma dum elipsoide. Finalmente, depois de expulsa toda a terra da parte de cima, o elipsoide transforma-se num paraboloide.

É a sua conjectura, que aliás ele apresenta como tal.

Enuncia ainda princípios gerais que relacionam as dimensões dos paraboloides com as cargas das minas correspondentes, e ainda com a velocidade com que a terra é arrojada pela explosão.

A 2.a parte do Ensaio sobre as Minas é constituída pela Teoria das Minas do matemático John Muller, que José Anastácio da Cunha colige, traduzindo o texto inglês com fidelidade, como ele acrescenta, embora ordene os assuntos de forma pessoal. O referido texto de Muller sobre as minas está incluído no seu "The Attac [sic] and Defence of Fortified Places" do qual foram publicadas em Londres três edições: a 1.a em 1747, a 2.a em 1757 e a 3.a em 1770.

Depois de ter trabalhado por longo tempo sobre a 3.a edição, a mais fácil de obter, só muito recentemente consegui a 2.a edição, de 1757, que foi aquela que José Anastácio da Cunha utilizou. Tenho a certeza disto porque, de vez em quando, num gesto de fidelidade às fontes, ele menciona as páginas correspondentes do texto original. E, quando menciona a página 218 de Muller, o texto correspondente é, efectivamente, a tradução da página 218 da 2.a edição, que na 1.a vem na página 233 e na 3.a na página 196.

Foi importante encontrar a edição certa usada por José Anastácio da Cunha, pois, só por confronto com o texto original inglês, consegui corrigir algumas das gralhas da cópia manuscrita.

Esta 2.a edição do livro de Muller também permite esclarecer um ponto duvidoso sobre a biblioteca de José Anastácio da Cunha. Na lista dos livros confiscados pela Inquisição Nota14, menciona-se em 15.o lugar:

"6 Muller''s vorks [sic] em língua Inglesa, em 6 volumes".

Contudo, na bibliografia de J. Muller conhecida, não há nenhuma obra em 6 volumes. De que se tratava então?

Ora acontece que, nesta 2.a edição acima mencionada, vem inserida uma lista das obras então recentemente publicadas pelo autor em que seis obras diversas são agrupadas sob o título: "Um sistema de Matemáticas, Fortificação e Artilharia. Em 6 volumes". E a descriminação dos volumes também é feita. Transcrevo a seguir essa lista do texto inglês: "Vol. I. Algebra, Geometry, and Conic-Sections. II. Trigonometry, Surveying, Levelling, Mensuration, Laws of Motion, Mechanics, Projectiles, Gunnery, &c. Hydrostatics, Hydrawlics [sic], Pneumatics, and Theory of Pumps. III. Fortification, Regular and Irregular. IV. Practical Fortification in four Parts. V. Artillery in six Parts. VI. Attack and Defence of Fortified Places, Mines, &c. Three Parts".

Devo acrescentar ainda que, no catálogo da Biblioteca da Academia Militar em Lisboa, existe este mesmo conjunto destas seis obras de Muller aqui citadas, sob a designação: "Elements of Mathematics" (6_volumes).

Parece pois provável que fosse este conjunto, o referido em 15.o lugar na lista dos livros confiscados a José Anastácio da Cunha, pela Inquisição.

Nesta 2.a parte do Ensaio sobre as Minas é ainda de notar a discordância que José Anastácio da Cunha manifesta em relação a algumas afirmações de Muller, que na Instrucção nos tinha apresentado como "sábio". É a sua expressão de rigor e sentido crítico que o impede de traduzir simplesmente, mas o leva a inserir notas pessoais de discordância, apoio ou explicação do texto original. Parece-me ainda pertinente inserir uma observação sobre o não uso do símbolo no cálculo do volume do paraboloide truncado.

No texto inglês, J. Muller usa a letra r para indicar e José Anastácio da Cunha segue aqui, fielmente, o original. Como se sabe, o símbolo foi introduzido pela 1.a vez por um matemático amador William Jones (1675-1749), em 1706, mas o seu uso definitivo é devido a Euler. Este adoptou-o a partir de 1737 e desde então o seu uso foi sendo gradualmente universalizado Nota15. José Anastácio da Cunha já o usa nos Princípios Matemáticos, embora com algumas incongruências, como nota Tiago de Oliveira Nota16.

Ainda é de observar que a 2.a parte do Ensaio sobre as Minas é enriquecida pela introdução do método de Daniel Bernoulli para determinar a menor e a maior raiz de uma equação racional. José Anastácio da Cunha vai tirá-lo, como afirma, doutro livro de Muller, que é o "Traité Analytique des sections coniques, fluxions et fluentes", publicado em Paris, em 1760, e que é uma versão em francês, bastante alargada, do texto inglês Nota17. Como se sabe, este método de Daniel Bernoulli foi publicado pela 1.a vez nas Actas da Academia de Ciências de S. Petersburgo, tomo III, em 1728 Nota18. Mais tarde foi exposto e desenvolvido por Euler na sua "Introductio in analysin infinitorum" de 1748, traduzido em francês em 1786, 1796 e 1835 sob o título "Introduction à L'Ánalyse Infinitésimale" Nota19. Contudo, deve notar-se que José Anastácio da Cunha não se limita aqui apenas à tradução do texto francês de Muller e a dar exemplos da sua aplicação no caso das minas. Cuidadoso do rigor das demonstrações, como tão bem sublinha E. Giusti Nota20, ele ultrapassa a tradução de Muller e numa nota pessoal remete o leitor ao livro de Newton "Analisis per Quantitatem Series Fluxiones ac Differentias, cum enumeratio linearum tertie ordinis" publicado em Londres, em 1711, onde a justificação dos cálculos apresentados pode ser encontrada Nota21. É curioso notar que José Anastácio da Cunha se refere aqui a Newton como "Cavalheiro Newton", a mesma expressão usada na sua Carta Físico-Mathemática.

A 3.a parte do Ensaio sobre as Minas é também interessante e rica, embora de forma diferente. É o que o autor chama "Prática das Minas". Em grande parte continua a ser tradução do livro de Muller Nota22. Contudo, a ordenação dos assuntos é diferente e nota-se, ao longo de toda a 3.a_parte, uma preocupação dominante de natureza pedagógico-didáctica. Dirige o texto aos principiantes, que não sabem, como ele diz, mais do que as quatro operações e a extracção da raiz quadrada e cúbica.

Aliás, ele mesmo aconselha, aos que não sabem Álgebra, a estudar apenas a 3.a parte. Assim os problemas do texto original são desdobrados em vários outros e sistematizados em dez regras, e as operações de cada uma dessas regras são ainda repartidas em diferentes passos. Para cada regra há um exemplo concreto, em que os dados estão em Muller, como também se acentua nas notas inseridas no texto. E quando o problema é mais complicado, como o da Regra X, constrói então Tábuas que dão imediatamente a resposta a partir dos dados, e cujo uso, mesmo assim, ensina cuidadosamente.

E aquilo que se vê e sente ao longo de toda a 3.a parte é claramente expresso por José Anastácio da Cunha, que termina afirmando: "o meu intento he somente ser util aos Officiaes moços meus Camaradas".

É o mesmo sentido de serviço que parece também ter estado presente na elaboração dos Princípios Mathemáticos, como se lê num dos seus depoimentos na Inquisição: "poder ser útil ao público e ao Estado" Nota23.

É a atitude de alguém que quer partilhar com os outros os talentos que recebeu mais abundantemente: em saber, em inteligência, em discernimento e até, em erudição linguística.

Considero que a maior homenagem que se pode fazer a um autor é a publicação das suas obras. O meu trabalho nesta edição teve como objectivo oferecer aos estudiosos um texto que suponho bem mais perto do original do que a cópia manuscrita que encontrei; é a expressão da minha profunda homenagem a José Anastácio da Cunha.

2. Notas sobre a transcrição:

Foram seguidas na transcrição os critérios gerais preconizados por A. H. de Oliveira Marques, João José Alves Dias e Teresa Ferreira Rodrigues Nota24.

Também se utilizou o critério já usado por João Pedro Ferro Nota25, de omitir os símbolos ou palavras que se repetem no inicio de várias páginas.

Como neste texto há extensas traduções do inglês e algumas do francês, que se colocaram em itálico, optou-se por um tipo de letras mais escuras para assinalar os sublinhados da cópia manuscrita.

3. Agradecimentos.

Um grande conjunto de pessoas e Instituições contribuíram para que esta edição fosse possível.

Começo por referir o Doutor Norberto Cunha, estudioso e admirador de José Anastácio da Cunha, e que eu, casualmente, logo no início da investigação, encontrei na Biblioteca Pública de Braga. Ao Doutor Norberto Cunha agradeço as pistas que então me sugeriu para a minha busca e as valiosas sugestões ulteriores. Ao Dr. Armando Malheiro da Silva agradeço as diligências, que então fez, no sentido de verificar se se tratava efectivamente de um inédito.

Também dirijo uma palavra de gratidão aos estudantes de História da Matemática do ano 1987-1988, em especial a Dr._Victor Neves, Dr._David Paiva e Dr._Francisco Assis, que com o seu entusiasmo acompanharam o inicio da minha investigação.

A seguir devo mencionar o apoio incondicional, desde a primeira hora, do Departamento de Matemática da Universidade do Minho, através da sua directora de então, Professora Maria Raquel Valença. Sempre esta iniciativa mereceu o seu estímulo e todo o suporte económico necessário. Além disso, a Professora Raquel Valença ainda me deu informações utilíssimas sobre o método de Daniel Bernoulli, referido por José Anastácio da Cunha. Exprimo-lhe a minha sincera gratidão.

Todos os textos ingleses de J. Muller que usei foram obtidos através da Doutora Stella Mills, bem como a informação de que foi 2.a edição de Muller Nota26 a usada por Anastácio da Cunha. Sei que tudo isto lhe deu muito trabalho e dispêndio de tempo. Além disso, foi com a Doutora Stella Mills que troquei várias impressões durante o meu trabalho, tendo dela recebido sempre preciosas sugestões; estou-lhe profundamente grata.

Quero ainda agradecer à Doutora Luísa Lapa de Souza a gentileza de me ter obtido as memórias de Belidor Nota27 da Academia Real de Ciências de Paris.

Muitas outras pessoas se dignaram ajudar-me, com as suas úteis e oportunas sugestões. Destaco o Dr. Grattan-Guinness, com quem falei sobre o manuscrito durante a sua visita ao Departamento de Matemática da Universidade do Minho, em Abril de 1990, e que, gentilmente, me deu valiosas sugestões.

Estendo os meus agradecimentos aos colegas da Universidade de Coimbra Doutores António Leal Duarte, Jaime Carvalho e Silva e João Filipe Queiró, que já produziram interessantes trabalhos sobre José Anastácio da Cunha Nota28; as suas sugestões e apoio foram-me muito úteis. Ao Professor Jean Dhombres estou também muito agradecida por me ter facilitado um rápido acesso à Bibliothèque Nationale de Paris, único viável, dado o pouco tempo que tive para o efeito.

Tenho de mencionar também a ajuda preciosa que me foi dada pelo Estado Maior do Exército através da pessoa do Senhor General Guilherme Belchior Vieira, que conheci no 1.o Encontro Luso Brasileiro de História da Matemática, realizado em Coimbra de 31/8 a 3/9 de 1993, onde fiz a apresentação do Ensaio sobre as Minas.

Desde logo o Senhor General Belchior Vieira me ofereceu entusiasticamente a sua ajuda que se traduziu em dois aspectos complementares. Por um lado, pôs à minha disposição os livros da Academia Militar e do Exército, bem como outros elementos do Arquivo Histórico-Militar, o que me ajudou extraordinariamente na busca dos autores mencionados por José Anastácio da Cunha. Por outro lado, obteve para a edição do livro o suporte económico do Estado Maior do Exército.

É, graças aos fundos provenientes do Centro de Matemática do Departamento de Matemática da Universidade do Minho, do Estado Maior do Exército e do Arquivo Distrital de Braga, que esta edição se torna possível.

Quero também agradecer ao Arquivo Distrital de Braga, na pessoa da sua directora Dr.a Maria Assunção Vasconcelos, todo o estímulo e suporte que esta iniciativa lhe mereceu. Nomeadamente agradeço à equipa de Informática do ADB, na pessoa da Dr.a Clara Sofia Moreira, que fez o processamento definitivo, e na pessoa do Professor José Nuno de Oliveira, como responsável pelo sistema informático em que o texto foi tratado.

Ao Professor Michael Smith que, gentilmente, acedeu ao pedido de escrever esta introdução em inglês, exprimo o meu sincero agradecimento.

Agradeço também ao Departamento de Informática da Universidade do Minho os recursos cedidos na fase final de edição electrónica.

Finalmente, exprimo a minha gratidão a todos aqueles que me ajudaram na busca, que se revelou infrutífera, de localizar outras cópias do manuscrito Ensaio sobre as Minas. Nomeadamente, refiro a Dr.a Fernanda Maria Campos (Biblioteca Nacional); Dr. Luis Cabral (Biblioteca Municipal do Porto); Dr.a Maria Teresa Mendes (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra).